A escravidão no Brasil não terminou em 13 de maio de 1888, conforme registram livros de história. Mas milhares de brasileiros, invisíveis e esquecidos, são escravizados ainda hoje, como demonstram os dados do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A escravidão contemporânea levou o MPT, no ano passado, a resgatar 3.190 pessoas que viviam em condições análogas à escravidão no Brasil, o maior número em 14 anos. Entre 2021 e 2023, os 24 Tribunais Regionais do Trabalho receberam 2.786 processos sobre o tema.
Os números são alarmantes, porém muitas vezes não tão comoventes quanto o depoimento do garçom do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Maurício de Jesus Luz, de 44 anos. Ele viveu como escravo dos 4 aos 18 anos, em Tucuruí, interior do Pará, e só tomou consciência do que lhe ocorreu ao ouvir a palestra da empresária Simone André Diniz pela caixa de som da copa do TST. O caso foi publicado pelo jornal Folha de São Paulo, no final da semana passada.
O depoimento do garçom não só comove, como causa revolta e nos leva a questionar o papel desta e de outras entidades de defesa dos trabalhadores. Precisamos de um posicionamento mais firme sobre o trabalho escravo no Brasil e mais envolvimentos para acabar com essa prática criminosa.
Esta luta é nossa!
Precisamos trabalhar em parceria com todos os órgãos para libertar outros Maurícios.
Em seu depoimento, o garçom contou considerar normal trabalhar 24 horas por dia sem receber salários, sob xingamentos, sendo agredido fisicamente quase diariamente com golpes de chicote, chibata, corda, lapada, chutes e beliscões.
Segundo ele, naquela época ele nem era Maurício, não tinha nome, não era registrado, não era oficialmente cidadão. Era somente um “neguinho escravo”, “filhote de urubu”, como era chamado.
Inadmissível tanta desumanidade!
Inacreditável tanta falta de civilidade!
Pior ainda, é o silêncio da população diante do trabalho do MPT.
Esperamos que, assim como Maurício, que foi desperto sobre sua realidade, essa história desperte a nossa sociedade para ir contra essa situação vergonhosa, que ainda é registrada no nosso país.
“Tinha vezes que a dona da casa me chamava de neguinho, escravo, filhote de escravo, filhote de urubu, estorvo, esse era o palavreado. Pelo nome, nunca chamaram. Era negão, macaco, conforme a situação”, relembrou o garçom na entrevista à Folha.
Diante disso, como podemos dizer que a escravidão no nosso país terminou?
O coordenador do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do TST, ministro Augusto César Leite de Carvalho, disse à Folha de São Paulo que a história de Maurício representa “a escravidão tradicional rural”.
Segundo Carvalho, outros tipos de escravidão contemporânea continuam muito presentes no país, praticadas até mesmo por grandes empresas na área urbana, que controlam o trabalhador por sua condição de dependência econômica.
“É possível perceber como, infelizmente, a nossa sociedade ainda naturaliza certas condutas. Pessoas pensam que, se ele está aceitando, é porque de alguma forma ele estaria concordando ou que trabalham em condições precárias porque estão acostumadas a isso”, afirmou.
Não podemos ficar calados, nem muito menos apenas comovidos. Precisamos unir forças e acabar realmente com a escravidão no Brasil.
Parabenizamos o garçom Maurício por sua coragem e nos colocamos a sua disposição.
- Maurício, está luta é nossa!
Cícero Lourenço Pereira, presidente da Fetrhotel (Federação Interestadual dos Trabalhadores Hoteleiros de São Paulo e Mato Grosso do Sul)